ARRASTA_PÉ
Antes da 2ª. guerra o mundo parecia mais sorridente. Os menores de l5 anos desejavam ser maiores de idade; os de 40 já pensavam em transparecer só 30 anos. Os primeiros vestiam a primeira calça comprida, paletó e ostentavam gravata do pai ou do irmão adulto. Chapéu , um jeito de ser grande; alguns ainda cobiçavam as palhetas – de palha rígida,branca, e com larga faixa preta! Sapato marrom, raramente preto, mas seria grandioso se pudesse obter um bicolor – branco , ponta e calcanhar preto!
Alguns colegas de ginásio e do bairro se agruparam para diversão. Assim surgiu o Quinteto Meridional – classe média baixa, zona sul.
Importante, porém, é que, a partir dos nomes de guerra (desde o inicio dá para desconfiar que era tempo de paz, OK?), se saiba duas ou três coisas acerca dos protagonistas:
Chicobeleza - ( boa pinta, mulherengo) Brasileiro,.masculino,.branco., de menor. O mais esbelto do quinteto, bom de bico, líder pelo jeitão..Chegava ao salão e já era notado pelas meninas e se apoderava da mais interessante delas, que por sua vez o considerava o mais interessante dos interessados. Para os que sobravam, sobrava as menos interessantes, e cada uma dessas últimas haveria de ficar com um menos interessante.
Pernilomgo - ( magricela e compridão ).Brasileiro, masculino,branco, de menor.
Alemão - ( meio albino, estomago travesso avesso ao álcool).Brasileiro, masculino, branco, de menor.
Conde - ( almofadinha, mania de grandeza).. Brasileiro, branco, masculino, de menor.
Tijolo - (baixote, trouxa satisfeito, “tão gentil, que chega ser grosseiro”, segundo o general francês).Nisei , masculino , amarelo, de menor.
Baileco de fins de semana era imprescindível. Havia de ser procurado em clubes,salões de festa, casas de família e até numa espécie de escola de dança no Trianon. Vespertinos, no Ginásio Rio Branco.E nem é preciso comentar sobre as grandes salas ( Azul, Vermelha e Amarela) do cine Odeon, no carnaval!
Traje, em geral problemático. Rigor era exigido nas formaturas , nos Clubes
chiques, no Esplanada hotel, na celebre “Noite de Maio” imperatriz por muitos anos! Clubes Comercial, Piratininga, Tietê, Espéria, Tênis Clube, podiam consentir um rigor atenuado – terno azul escuro, camisa branca, gravata borboleta e sapatos pretos.Nem todos possuíam dois pares de sapatos, um único marrom, precisava ser tingido!
Smoking poderia ser emprestado, não se cogitava alugar. Motivaria ciumeira, como no caso do colega , proprietário de um belo smoking , que se recusou a cede-lo ao seu melhor amigo para o baile de formatura da noiva , embora em ocasiões não importantes já o tivesse feito,
Dançar bem nunca foi coisa para principiante. Os pequenos conjuntos se saiam bem com as musicas populares brasileiras - balançava da marchinha para o sambinha e os pares novatos podiam se dar bem. Quando imitavam jazz-band parecia que era a Marselhesa em andamento moderato; o tango argentino , condenado pelos religiosos fanáticos, se afigurava um bolero de Ravel em andamento presto ; a valsa, bonita e gostosa para um baile, perdia o interesse pela falta do violino e pelo domínio dos ritmos modernos E tanta complicação contagiava os pares que se adaptavam conduzindo a dança como se o ritmo fosse sempre o mesmo
Episodicamente se deliciavam com orquestras proeminentes como a conduzidas Otto Wey , de repertorio americano mais compatível com o habitualmente ouvido no cinema. Por outra, o futuro famoso, maestro Gaó, paulista de Salto, prosseguiu sua brilhante carreira no Rio de Janeiro nos Estados Unidos.
Importava-se muita coisa boa – fox, rumba, bolero,tango - americanas, mexicanas, cubanas, argentinas , francesas, alemãs como Barril de Chope (Rosamunde) sucesso mundial dos anos 30 e ainda atual., vienenses, clássicas valsas da categoria do Danúbio Azul , preferenciais em bailes de formatura! Um ritmo diferente, a conga, fez sucesso, dançada de modo curioso – 1,2,3 perna para um lado, 1,2,3 para o outro.
Em verdade, quase a totalidade das músicas era apreciada pelo rádio em audições de discos – antigos 78, ou Lp33 rotações p.min., e para dançar nas residências de famílias .
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A noite no salão do Cine Braz Polytheama não teria sido uma decepção completa se o musico do trombone tivesse comparecido, conquanto a bandinha parecia ritmada. Sala repleta, bem sentadas as mocinhas e suas mãezinhas ou as titias. Pista de dança nem tanto, ou muito menos. Nenhuma se levantava sem formal apresentação do moço, principalmente se viesse de outro bairro. Taboas em profusão. Taboadas saudosas, bom exemplo de bairrismo birrento.
Assim, para os de fora era melhor dar o fora.
Pernilongo, entretanto, resoluto, dirigiu-se a um par de simpáticas .Uma saiu apressadamente e a outra manteve-se simpática...
- A senhorita dança?
- Eu não danzo...
- Por quê? Me pareces tão jeitosa...
- Quando eu danzo eu sudo, quando sudo eu fêdo.
...
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Uma viagem à Itaquera, em um carrão alugado pelo grupo, redundou em fracasso semelhante, porém em nada parecido com o “causo da danza”.
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Ao Alemão chegou o instante de gloria. Conquistou o olhar da morena de olhos pretos, numa só piscada e ela retribuiu com duas piscadelas (uma em de cada olho). Na mesma noite os três (ele, ela e a futura sogra) foram a uma festa no salão do Trocadero, atrás do Municipal . Dançaram, como um par de cisnes , à exaustão, e voltaram às poltronas. A futura sogra, enquanto levava uma piteira, de marfim autentico, à boca de bela dentadura não autentica, meneou metade de sorriso com o lado livre, significativo, porém. A felicidade se desenhava eterna,
Mas, nem tudo que dura ... Alemão, necessitado, pediu licença por meio mínimo, e também ousou meio pulo ao bar para bebericar em comemoração da posse daquele olhar! Não tardou que a espuma indiscreta da cerveja, viesse à tona - erupção goela acima. Sentindo o tornado, ele retornou a sua mesa e nela se apoiou concomitante com a torrente goela a fora , conseguindo apagar o cigarro aceso na ponta da piteira da fumante!. Algo tonto e bem alegre, como um trouxa satisfeito, com respeitosa elegância, acenou cinco vezes “até logo” com a mão esquerda e, na direita, uma toalha preventiva de reprise . Contudo, outro pretendente, sorrateiro, se aproximava, muito contente da vida!
Três meses depois ele recebeu um cartão de noivado. Auxiliada pelo pretendente, escritor semi falido e futuro marido abonado, ela convidava para “comes e bebes”, porém, com um post-scriptum vulgarmente conhecido por P.S.- “excepcionalmente para o caso, será servido chá inglês com uma gota de leite frio.e torradinhas à vontade”.
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O Conde, hábil no ataque às namoradinhas dos outros, atacava pelos favores de uma engraçadinha que. mantinha pudico resguardo O ponderável veio à luz com poder superior – casa nova e Lincoln Zephyr.da família atacante. Aí, ela adivinhou que automóvel é muito melhor do que bonde, e desguarneceu o coração para um novo ataque.
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Acompanhando rigorosamente o passar dos dias , semanas , meses, anos, o tempo, forçosamente, também foi passando e o grupo desfazendo-se - cada um tomou o seu caminho, porque é complicado tomar o caminho do outro.
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Assim, por exemplo, Chicobeleza se engraçou por uma gracinha da vizinhança, e esta por ele. Longos tempos apaixonados, passeavam de braços dados, fenômeno que só era observado em casais seriamente comprometidos, e ao longe formavam uma única silhueta, como um às de copas” preto”, porque na cor devida era difícil parecer silhueta. Desprezavam os bailes – ao invés de dançarem umbigo contra umbigo (Miudinho,xote), era mais barato se abraçarem, sentados na casa da futura sogra e tomar um cafezinho, inoportuno, no intervalo do beijocar medonho!
Toda a redondeza , unânime , sentenciava constituírem eles o casal mais belo,
feliz, e promissor de prole maravilhosa. Muito tempo depois, todavia, o final contradisse – inopinadamente se separaram, nunca mais se encontraram, e ambos os dois ( para não dizer três ou quatro) ficaram com os cabelos totalmente brancos. Nunca se soube o motivo desse descolorido desenlace cinematográfico, nem se encontrou explicação de tamanha canície, embora reiteradas consultas à ONU !
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- Você quer comprar esta minha aliança? Dentro do ônibus , no largo São Bento, Pernilongo desiludido do amor, encontrara o ex-companheiro Tijolo , o qual, admirado, perguntou:
- Não estavas com casamento marcado?
- Ser ou estar não é bem a mesma coisa, principalmente quando se planeja uma
surpresa à amada...
- Todas mulheres adoram surpresas...
- Nisso botei bastante fé. Foi no domingo de revoada dos “planadores voadores e dos pára-quedistas puladores “.
- Caiu um planador?
- Não, fui eu que caí do pára-quedas, logo na primeira tentativa Seria um presente demonstrando audácia, pronto para dar a vida por ela, como no filme “Audazes e Amantes “.
- Que bonito!
- Mas ninguém achou. Nem o pai, tão rico, negou-se a pagar a conta da minha hospitalização ...
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Trinta anos depois.
Afinal de contas, a toda hora há algo a ser contado. De fato, dois dos ex-companheiros se encontram numa festa de seus filhos e mantém um longo dialogo dos mais belos e sensíveis da língua vernácula:
Tijolo:
- Que tal se os nossos filhos, juntos, fossem a um baileco como os de antigamente?
Conde:
- Você ainda vem me falar daqueles porcarias de arrasta-pés !
Luis Gastão Costa Carvalho Serro-Azul
28 /Julho/ 2014
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